Fichamento: Sobre a discussão do lugar da História do Brasil nas primeiras décadas do século XX.

Yaci
5 min readMar 28, 2020

Terceiro fichamento parte das avaliações do Curso de Verão 2020.1 do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Tema: “90 anos da Revolução de 30 — principais aspectos políticos e culturais do governo Vargas (1930–1945)”.

Fichamento: REZNIK, Luís. O lugar da história do Brasil. (pg. 67–89)

As décadas de 20, 30 e 40 do século XX foram períodos históricos marcantes para a redefinição econômica, social e cultural da vida brasileira. Para tanto, os esforços do Estado na área cultural-educacional foram fundamentais para a tentativa de formação de um novo perfil para a intelectualidade brasileira, através do ensino secundário.

O artigo fichado centra seus esforços na discussão histórica entre dois grupos cujo olhar para o lugar da História do Brasil na formação do currículo educacional brasileiro do ensino secundário foi divergente, a saber, entre aqueles que defendiam que houvesse uma disciplina exclusiva para tratar da formação do que se entende por “História do Brasil” e outros que compreendiam que tal conteúdo poderia estar incluída na disciplina História da Civilização.

Reforma Educacional Francisco Campos (Ministro da Educação e Saúde), 1931: Tornou obrigatório o ingresso no ensino secundário para aqueles que quisessem cursar o ensino superior, estabeleceu um currículo seriado e de frequência obrigatória, regulamentou toda a estrutura do ensino pós-primário (secundário, superior, normal e técnico), adotando a centralização das normas administrativas e programáticas a partir do Ministério da Educação e Saúde.

Importância do ensino da disciplina História para a formação da consciência política dos estudantes: As duas reformas educacionais de impacto nacional durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, a saber, a de Francisco Campos em 1931 e a de Gustavo Capanema, de 1942, possuem como característica comum a ênfase no acesso às formulações históricas sobre a compreensão do papel da história do Brasil para o país e do papel do Brasil na história do mundo.

Essa ênfase está diretamente correlacionada ao objetivo de transformação da consciência individual alheia em uma consciência política coletiva. Contudo, as duas reformas possuem ligeiras distinções na forma (método) de sua aplicação.

A reforma de Francisco Campos advogou por uma interconexão da história do processo de formação do Brasil com a história “universal”. Sua principal diferença, em relação aos programas anteriores, foi a criação da disciplina História da Civilização, onde eram ensinados os conteúdos de História Geral, História das Américas e História Pátria, suprimindo a antiga divisão entre História Universal e História do Brasil.

A civilização é una, um eterno progredir; daí uma “História da Civilização”, no singular. A análise da evolução histórica deve mostrar o seu progresso material e espiritual: o seu processo civilizatório” (REZNIK, pg. 40, 1992).

Escola Nova ou “escolanovismo” foi o nome dado ao movimento pedagógico no Brasil difundido após a fundação da Associação Brasileira de Educação (1924).

Concepção pedagógica famosa nos meios acadêmicos europeus e americanos, crítica a metodologia da “escola tradicional”. Fundamentada na participação do estudante como sujeito do conhecimento, não apenas como receptáculo, e na conexão/vivência do passado histórico com o presente momento. Possui método ativo e progressivo e utiliza-se da história biográfica para criação de vínculo entre aquele que estuda e o conhecimento passado.

A biografia é enfatizada para buscar compreender mais o meio social envolto do que o biografado. Essa corrente possui uma concepção evolucionista social, realizando uma comparação entre sociedades “primitivas” e sociedades modernas, objetivando a demarcação da transformação linear da história das sociedades e uma concepção historiográfica universalista, que se pretende científica e experimental.

Quer pese a possibilidade de incorrer em correlações a-históricas, na tentativa de elencar a partir do catálogo de antropólogos modernos a relação entre civilizações “primitivas” e sociedades modernas, utilizando como material principal a coleta de estudos antropológicos de sociedades culturalmente diversas existentes no mesmo período, com distintas formas de organização social e econômica, para simplesmente compara-las, inferindo que umas advém ou desenvolvem-se a partir das outras, mesmo que evidências históricas possam auxiliar na reflexão de que tal relação não pode ser simplesmente determinada apenas sob essas bases, a interconexão do processo de formação da história brasileira com a história “universal”, como oferecida pela escola novista tem por consequência a integração da história nacional a uma “pequena parte de um todo”.

Se, por um lado, possui uma compreensão interessante, mas limitada acerca da interconexão da história nacional com a história “universal”, por outro, a mera inserção da disciplina História do Brasil como parte da disciplina História da Civilização poderia acabar por fornecer um menor peso político no ensino da história do Brasil para os conterrâneos, temerário na consolidação de projetos que envolvam o estabelecimento de uma história, compreensão e relação de identidade coletiva particular de determinados povos que, unidos, formam a civilização brasileira.

Contrários ao universalismo, a especificidade da formação histórica brasileira: a defesa pela disciplina História do Brasil: Críticos a concepção progressiva que reúne uniformemente a história de toda a humanidade (suprimindo as diferenças culturais e econômicas entre os povos), os adeptos da concepção da necessidade de uma disciplina exclusiva de História do Brasil cuja maior expressão está na Reforma Educacional Gustavo Capanema de 1942, buscam no passado particular do desenvolvimento histórico de cada nação as especificidades econômicas, sociais e culturais de cada povo e aquilo que os conectam ao presente.

Enfatizam, portanto, a relação entre identidade, povo, passado e presente e buscam a valorização do estudo das tradições que formam a sociedade brasileira, seus valores, costumes, formas de organização social e econômica. Se o modelo anterior de Francisco Campos, a partir da utilização da antropologia evolucionista, poderia incorrer em determinações a-históricas, o modelo de Capanema se conforma pelo seu método romântico, com a cristalização de valores considerados como fundantes para a sociedade brasileira.

Concluo argumentando que apesar do autor Luís Reznik afirmar que não houve grandes diferenças nos conteúdos dos livros didáticos entre a Reforma Capanema, de 1942, e a Reforma Francisco Campos, de 1931, o debate sobre a compreensão historiográfica e filosófica entre essas duas correntes de pensamento (que transcendem a mera atividade do Ministério da Educação e Saúde) se dá, precisamente, a respeito da forma do currículo escolar, especialmente sobre o papel que a história e memória do Brasil ocupam no processo de formação histórico-brasileiro e em sua respectiva compreensão em relação ao seu lugar no mundo.

As divergências centram-se no modo como deve ser ensinado o processo histórico brasileiro, de que forma deve ser incutida, através do ensino secundário, quais os elementos essenciais para o desenvolvimento “espiritual” e político dos estudantes, na forma do entendimento de qual é o lugar do Brasil para os brasileiros, ou seja, como os brasileiros precisam apreender o curso de sua própria história até o presente, e na forma como apreendem qual é o lugar do Brasil na história “mundial”, “universal”.

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Yaci

filosofia da história, ciência política, poiesis e relações internacionais.